Hoje não tem rock. Não tem bebidas. Não tem ninguém. Esta noite eu sou minha própria companhia enquanto Ela não chega. Será só eu e Ela, que já adentra imperceptivelmente meu lar. Sem sequer pedir licença.
Dessa vez quem baila comigo é a grande Senhora, a Majestade do silêncio e da solidão. A madrugada é pior que a morte, pois teima em ir e vir todos os dias, tenaz a me torturar nos minutos que duram horas, na areia que parece nunca cessar na ampulheta.
Mas não fujo. Não hesito. O homem não pode temer seus inimigos. Será a madrugada minha inimiga? Creio que não. Hoje o que mais quero é estar com ela. Preciso estar com ela. Minha bela amante, quero tê-la até o fim. Quero brincar no teu doce jogo de sedução.
Não há música nem vinho. Não há requinte. Só um computador, uma TV e um copo de coca-cola.
A imensidão da Internet parece esgotar-se. As informações e os jogos não preenchem minh'alma. Não há mais ninguem para conversar no MSN. Só ela está aqui. Me observa e me seduz com a certeza de que serei todo seu. Vou buscar satisfazer-me na televisão.
Os meus passos ecoam no silêncio e na no vazio da sala. E esse vazio entra em ressonância com o meu interior, que quer esquecer que ama e é amado. Quero ficar só com ela. Ó cortesã, puta safada. Minha angústia compra teu prazer. E deleito-me estranhamente.
E vou assitir a um filme. Um drama. A história de um menino que descobre o amor e a amizade durante o tenso período da revolução cubana. Enquanto os homens se matam por dinheiro, poder e liberdade, para o pequeno só importa aqueles que moram em sua vila. Seu mundo é aquele. O meu é ainda menor. A cada lágrima na tela me lembro que estou a sós com a Grande Majestade. O final do filme é triste, mas meu coração petrificado não permite que minha face umideça.
Vou à varanda. Observo os prédios ao redor. Luzes apagadas. Que bom! Parece que ninguém mais está a sofrer como eu. Um riso sarcástico faz-se em meu rosto: "Não sabem o que perdem deitados em seus travesseiros", sussuro.
Volto à TV. Do outro lado do mundo, carros de corrida disputam a supremacia da velocidade. Se para eles cada milésimo significa uma eternidade, pra mim as horas passam numa pachorra entediante. É o Grande Prêmio da China. Lá já é dia. Mas o dia nada mais é do que o prelúdio de mais uma madrugada agonizante que está por vir.
Às 5h40min o céu já está clareando. E aos poucos a natureza me cede mais um espetáculo. As cores se fundem nesse melancólido alvorecer. E vou me despedindo de minha companheira. Amada e odiada, bela e leviana, angustiante e irresistível. Um beijo de morte com um sol já raiando ao horizonte. Mas com a certeza de que ressucitará e logo estará a fazer-me companhia novamente.
E tanta tortura se deu no dia 16 de outubro. Dia em que começou o horário de verão. Uma hora pra adinatar no relógio. Foi a madrugada mais curta do ano. Pra quem dormia. Porque pra mim pareceu a mais longa, mais dolorosa e mais prazerosa.
E mais uma madrugada se vai. E mais um dia insiste em nascer sabendo que Ela voltará...